Os Vários Tipos de Amor
Parece-me que
podemos, com maior razão, distinguir o amor em função da estima que
temos pelo que amamos, em comparação com nós mesmos. Pois quando
estimamos o objecto do nosso amor menos que a nós mesmos, temos por ele
apenas uma simples afeição; quando o estimamos tanto quanto a nós
mesmos, a isso se chama amizade; e quando o estimamos mais, a paixão que
temos pode ser denominada como devoção. Assim, podemos te afeição por
uma flor, por um pássaro, por um cavalo; porém, a menos que o nosso
espírito seja muito desajustado, apenas por seres humanos podemos ter
amizade. E de tal maneira eles são objecto dessa paixão que não há homem
tão imperfeito que não possamos ter por ele uma amizade muito perfeita,
quando pensamos que somos amados por ele e quando temos a alma
verdadeiramente nobre e generosa. Quanto à devoção, o seu principal
objecto é sem dúvida a soberana divindade, da qual não poderíamos deixar
de ser devotos quando a conhecemos como se deve conhecer. Mas também
podemos ter devoção pelo nosso príncipe, pelo nosso país, pela nossa
cidade, e mesmo por um homem particular quando o estimamos muito mais
que a nós mesmos. Ora, a diferença que há entre esses três tipos de amor
manifesta-se principalmente pelos seus efeitos; pois, como em todos nos
consideramos juntos e unidos à coisa amada, estamos sempre dispostos a
abandonar a menor parte do todo que compomos com ela, para conservar a
outra.
Isto leva-nos, na simples afeição, a sempre nos preferirmos ao que amamos; e, na devoção, ao contrário, a preferirmos a coisa amada e não a nós mesmos, de tal forma que não hesitamos em morrer para a conservar. Frequentemente se viram exemplos disso, nos que se expuseram à morte certa para defender o seu príncipe ou a sua cidade, e mesmo às vezes pessoas particulares às quais se tinham devotado por inteiro.
Isto leva-nos, na simples afeição, a sempre nos preferirmos ao que amamos; e, na devoção, ao contrário, a preferirmos a coisa amada e não a nós mesmos, de tal forma que não hesitamos em morrer para a conservar. Frequentemente se viram exemplos disso, nos que se expuseram à morte certa para defender o seu príncipe ou a sua cidade, e mesmo às vezes pessoas particulares às quais se tinham devotado por inteiro.
René Descartes, in 'As Paixões da Alma'
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