segunda-feira, 15 de agosto de 2011

OS SIMPSONS E A FILOSOFIA - Os tipos de caráter de Aristóteles

Leia trechos do primeiro capítulo de  Os Simpsons e a Filosofia




Coletânea de Willian Irwin, Mark T. Conard e Aeon J. Skoble


Parte I

Os personagens
Homer e Aristóteles


  Os homens, por mais que olhem, não vêem o que é o bem-estar, o que é bom na vida.

Aristóteles, A Ética a Eudêmio, 1216 a 10

  
     Não sei viver uma vida simples como você. Eu quero tudo! Os aterradores baixos, os atordoantes altos, os insossos meios! Claro que eu posso ofender alguns narizes empinados com meu passo arrogante e meu cheiro almiscarado - Ah, eu nunca vou ser o queridinho dos tais "Pais da Cidade", que soltam a língua, acariciam a barba e perguntam "O que fazer com esse Homer Simpson?"

Homer Simpson, "Lisa's Rival"
  Homer Simpson não passa no teste, se for avaliado moralmente. Isso se nota particularmente quando nos concentramos em seu caráter, em vez de em seus atos (embora ele não brilhe muito também na segunda categoria). Mas, de alguma forma, existe algo eticamente admirável a respeito de Homer. Daí surge a seguinte charada: Se Homer Simpson é moralmente ruim, onde ele é admirável? Investiguemos isso.


Os tipos de caráter de Aristóteles


Aristóteles nos deu uma categorização lógica de quatro tipos de caráter.1 Falando de um modo geral, e deixando de lado os dois tipos extremos que são o caráter do super-humano e do bestial, temos o virtuoso, continente, incontinente e o vicioso. Para compreendermos melhor cada tipo, vamos contrastá-los em termos de como cada caráter se manifesta em ações, decisões e desejos. Devemos também considerar uma situação como exemplo e ver como cada um reagiria a ela.

Suponha que uma pessoa, a quem chamaremos de "Lisa", estivesse andando na rua e encontrasse uma carteira com uma considerável quantia em dinheiro. Se Lisa fosse virtuosa, ela não só tomaria a decisão de entregar a carteira às autoridades competentes, mas ainda se sentiria bem em fazer isso. Os desejos de Lisa estariam em harmonia com a correta ação e decisão. Considere agora Lenny, que é continente: se Lenny achasse a carteira, ele tomaria a decisão certa - devolver a carteira intacta - e seria capaz de cumprir a decisão - mas estaria agindo de forma contrária ao desejo de não devolver. Essa é a marca da pessoa continente: lutar contra os desejos para conseguir fazer a coisa certa.

Com os tipos incontinente e vicioso de caráter, as coisas pioram. A pessoa incontinente é capaz de tomar a decisão certa, mas tem a vontade fraca. No caso da carteira, e supondo que Bart seja o tipo de caráter incontinente de que falamos, ele sucumbiria ao desejo de ficar com a carteira e não agir corretamente, embora saiba que é errado não entregá-la ao dono. Com a pessoa viciosa, não há luta entre os desejos nem vontade fraca. O motivo disso, porém, é que a decisão da pessoa viciosa é moralmente errada, e seus desejos cooperam plenamente com ela. Se Nelson fosse vicioso, ele resolveria ficar com o dinheiro (e jogar fora o resto da carteira, ou devolvê-la e mentir sobre o que encontrou nela), desejaria fazer isso e agiria de acordo com o desejo.

Observemos melhor o que constitui um caráter virtuoso. Uma pessoa virtuosa é aquela que tem e exerce virtudes. Essas virtudes, aliás, são estados (ou características) de caráter que dispõem seu detentor a agir da forma correta e reagir emocionalmente da mesma maneira. Diante disso, vemos por que Aristóteles insistia em que as virtudes são estados de caráter que concernem tanto à ação quanto ao sentimento (Ética, livro II, especialmente 1106b15-35). Por exemplo, se alguém tem a virtude da benevolência, estará disposto a ser caridoso com as pessoas certas nas circunstâncias certas. Ele não daria dinheiro a qualquer um que lhe pedisse. O indivíduo virtuoso deve perceber que seu beneficiário necessita realmente do dinheiro, e que o usará corretamente. Além disso, a reação emocional da pessoa virtuosa é apropriada à situação. Isso significa que a pessoa benevolente em nosso exemplo daria o dinheiro de bom grado, sem se lamentar, e sua motivação seria a necessidade do beneficiário. Em contrapartida, uma pessoa continente não abre mão facilmente do dinheiro, não porque precise dele e não possa partilhar, mas porque é predisposta à ganância ou superestima o quanto pode necessitar do dinheiro no futuro.

Observe, porém, considerando este relato, que o motivo tem um papel crucial. Pois, se para ser virtuoso, alguém precisa de habilidades perceptivas quanto às situações enfrentadas, então o indivíduo virtuoso não pode ser estúpido ou ingênuo. Deve ter habilidades de raciocínio crítico que lhe permitam notar as diferenças nas situações e ser capaz de reagir de acordo. De fato, esse é um dos motivos por que Aristóteles enfatizava a idéia de que o tema da ética não admite a precisão rigorosa (Ética, 1094b13-19). A função da razão prática (phronesis) é algo em que Aristóteles insistia: se uma pessoa é virtuosa por impulso, digamos, não possui a virtude "total", mas no máximo "natural" (Ética, 114b3-15); e possuir a virtude natural significa estar inclinado a fazer a coisa certa por acaso.

Se apelarmos para as condições de Aristóteles para as ações corretas, estaremos em posição de completar nosso relato. Aristóteles diz: "Primeiro, [o agente] deve saber que o que está fazendo é uma ação virtuosa; depois, deve decidir fazê-la - e decidir pela ação em si; e, finalmente, deve agir a partir de um caráter firme e imutável" (Ética, 1105a30-1105b). Em suma, o que o filósofo tinha em mente aqui era isto: em primeiro lugar, ao agir com virtude, o agente deve saber que sua ação é virtuosa; ele age segundo a descrição de que "tal e tal ação é justa (ou generosa, ou honesta)." A segunda condição parece englobar duas condições, não uma. O agente deve agir voluntariamente, e assim proceder porque a ação é virtuosa. Isso significa que mesmo que alguém aja sob a descrição de que "esta ação é justa", sua ação não seria virtuosa a menos que ele a praticasse justamente por ser virtuosa. A terceira condição estabelecida é crucial, e nos leva ao início desta discussão: o indivíduo virtuoso age com virtude não só quando a ação é justa e porque é justa, mas também porque ele é um indivíduo justo. Ele é do tipo que está disposto a se comportar de modo moralmente correto quando a situação assim exige. Isso (faz parte do que) significa ter um caráter "firme e imutável".

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