terça-feira, 18 de outubro de 2011

CODIGO FLORESTAL BRASILEIRO…

    O polêmico projeto de lei do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) que propõe o novo código florestal brasileiro é “insustentável”. Além de não possuir significativa sustentação no conhecimento científico está preso às idéias ultrapassadas de crescimento econômico sem limites e uso infinito dos recursos. O novo código não se ajusta aos novos tempos, onde se busca qualificar o uso e ocupação do espaço, reconstruir a qualidade de vida do campo e da cidade; mais do que isso, não atende a necessidade de produzir mais e melhor, porém com inovação, tecnologia e características de sustentabilidade.
A idéia de um novo código, proposta pelo deputado Rabelo, não é apenas polêmica, é também um perigo. Ela ignorar os aspectos importantes das ciências naturais e do ambiente e, enquanto política pública, não se mostra um documento transparente. A sua construção não promoveu a participação efetiva da sociedade, contando, apenas, com ampla participação dos ruralistas, sem considerar outros segmentos defensores de interesses difusos da sociedade.


O código florestal brasileiro vigente, instituído em 1965, criado basicamente para proteger os ambientes florestais nativos, serviu como um importante instrumento para organizar o setor produtivo de madeira, estimulando o desenvolvimento de florestas comerciais. No entanto, ele não se prendeu apenas a idéia de proteger florestas ou ambientes florestais, estendendo o seu poder conservador a todos os tipos de ambientes presentes no território nacional.
      O fato é que a Lei do Código Florestal nunca foi plenamente respeitada, nem pela maioria dos governantes, muito menos pelo setor produtivo rural, quer por desconsideração ou simples desconhecimento. Frente ao amplo território brasileiro, de dimensões continentais, que abriga uma das maiores diversidades biológicas do planeta, o agronegócio, no Brasil, parece investir mais na abertura de novas fronteiras agrícolas do que na tecnologia de produtividade. A iniciativa de aprovar o novo código, na forma em que está proposto, sem uma discussão social e técnica mais apurada, desconsidera o princípio da precaução, de que é melhor, primeiro, ampliar a discussão e só depois materializar as idéia em um instrumento de Lei.

Entre as mudanças propostas na reforma, vale destacar alguns pontos; entre eles, a anistia de todos os produtores rurais com atividades irregulares flagradas até 22 de julho de 2008, o que elimina o efeito regulador e educativo do Código vigente. No novo código são consideradas áreas de preservação permanente (APP) as faixas marginais de qualquer curso d”água natural, desde a borda do leito menor, em largura mínima que varia de 15 metros a 500 metros (era de 30 m a 500 m), entorno de reservatórios d”água artificiais, nascentes e olhos d”água, encostas ou partes delas, com declividade superior a 45º; Não é considerada APP a várzea fora dos limites previstos nas faixas marginais, a menos que o poder público disponha em contrário. Nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a um hectare fica dispensada a APP. É permitido acesso de pessoas e de animais às APPs para obtenção de água e para realização de atividades de baixo impacto ambiental.É permitido o uso de várzeas em sistemas de exploração sustentáveis, sendo a supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo condicionada à autorização do Estado. Não é permitida a conversão de floresta nativa situada em áreas de inclinação entre 25° e 45° para uso alternativo do solo, sendo permitido manejo florestal sustentável. Os imóveis rurais, exceto até quatro módulos fiscais, devem possuir Reserva Legal. No caso do Rio Grande do Sul o percentual deve ser de 20%. Poderá ser instituída Reserva Legal em regime de condomínio ou coletiva, respeitados os percentuais; O Programa de Regularização Ambiental dará prazo limite para averbação de Reserva Legal. Serão beneficiadas propriedades que tiveram vegetação nativa suprimida irregularmente antes de 22 de julho de 2008. E é justamente ai que mora o perigo.
Assim, com a descomprometida justificativa de consolidar as áreas já ocupadas com atividades agrosilvopastoris e em nome da regularização jurídica dos imóveis rurais, o programa de regularização ambiental deverá ser promulgado em até cinco anos. Neste período, fica assegurada manutenção de atividades, vedada expansão. E a partir da inscrição no cadastro estadual fica suspensa a cobrança de multas e de infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, deixando a nossa capacidade de preservar mais vulnerável.
O código do deputado Rabelo surge como um remédio fraco para uma doença forte. Pois, certamente não é reduzindo a área de preservação permanente, eliminando a reserva legal de pequenas propriedades e concedendo moratória ao desmatamento ilegal que o Brasil vai avançar na produção agrícola sustentável, ao contrário. Na verdade, o país vai caminhar na contramão das políticas ambientais já estabelecidas e comprometer as projeções de uma agricultura de sucesso, que prevê o controle do desmatamento, a recuperação de pastagens, o uso de novas tecnologias, a elevação da produtividade, a qualificação da atividade rural e a redução significativa das emissões de CO2.
De outra parte, pressionar a liberação ampla do processo de desmatamento, excluindo da culpa seus principais atores é, ao mesmo tempo, desconsiderar a progressividade dos diferentes cenários: ecológico e econômicos, inseridos em cada um dos biomas brasileiros. Mais do que isso, acaba por favorecer de modo ignorante o desejo patrimonial de classes sociais dominantes.
Tentando fugir da proposta estapafúrdia de um novo código florestal, o que talvez mereça mais espaço é a idéia de aprimorar o código vigente. É preciso dar mais evidência à biodiversidade brasileira, trabalhar com novas noções de espaço e assumir um novo plano de avaliação e controle. O importante é reconhecer e interpretar padrões.
Um código moderno deve operar numa perspectiva de paisagem, que reúne diferentes composições ecológicas, inclusive componentes humanos de uso e transformação do espaço. Deve facilitar o processo de licenciamento e orientar a aplicação de diferentes ferramentas de organização territorial, tais como zoneamentos e planos ambientais. E ainda, trazer para o centro da discussão todos os segmentos sociais possíveis, a modo de exigir características naturais dos ambientes ocupados e/ou sujeitos à transformação.
Os ambientes, por natureza de suas características, tendem a se comportar de maneira diferente, frente aos usos que lhe são impostos – resultado marcante da heterogeneidade espacial. Algo significativo no processo de revisão do código seria a de unificar os valores percentuais de reserva legal, com um mínimo geral para todo o território brasileiro, acrescido de um valor correspondente ao interesse ou importância à conservação da biodiversidade. Desse modo, ambientes correspondentes a paisagens de extrema importância à conservação poderiam alcançar a necessidade de elevados percentuais de reserva, independente da região brasileira considerada. É fundamental reconhecer o contexto das paisagens brasileiras, suas características, heterogeneidades e usos que vem sendo historicamente impostos. Da mesma forma, a faixa mínima para demarcação de áreas de preservação permanente, em determinadas paisagem ou situações – o limite de 30 metros – não tem sentido justificado. Então é preciso reavaliar. Na porção costeira, por exemplo, um mínimo de 30 metros pode significar uma proteção pouco eficiente dada às características de baixa cota e vales espraiados, que predominam nesses terrenos. A aplicação da lei deve seguir princípios ecológicos.
Áreas destinadas à reserva legal e faixas de proteção permanentes parecem ter pouca importância para o novo código proposto. O que é lamentável frente aos inúmeros exemplos de catástrofes naturais que se repetem anualmente, por todo o país, atingindo com violência grandes áreas rurais produtivas e centros urbanos de todos os tipos. É fácil perceber que os eventos com maior gravidade ocorreram, justamente, onde não houve qualquer respeito sobre o uso correto do espaço natural, em situações onde o risco já era naturalmente elevado. Mesmo assim, a ocupação urbana desordenada de encostas e de vales de inundação parece passar “desapercebida” pelos gestores públicos, assim como o plantio e criação, realizados sem qualquer prática conservacionista ou respeito aos limites legais de proteção.
Paisagens heterogêneas e de usos tão diversificados como os encontrados no Bioma Pampa, por exemplo, merecem uma atenção especial. Em agroecossistemas com essas características não se pode apenas aplicar a Lei, é preciso ter critério. A razão de 20% de reserva legal talvez não seja suficiente para proteger determinados padrões ambientais. Também, a faixa mínima de proteção (APP), tão pouco respeitada no Sul, mesmo que mantida e aplicada na íntegra. É preciso ter algo que garanta uma extensão maior, para situações onde as características da paisagem predizem essa necessidade.
O Pampa Gaúcho, hoje reduzido a 49% da área original, apresenta um mosaico de diferentes tamanhos e tipos de fragmentos de campo, florestas e áreas úmidas, remanescentes, assentados numa matriz de usos diversos. Assim como em outros biomas brasileiros o Pampa vem sendo, aos poucos, consumido pelo avanço de novas fronteiras de produção e enfrentando políticas distorcidas de desenvolvimento. Mesmo que a transformação desse espaço resulte de um processo histórico de ocupação, reduzir esse sistema e toda sua diversidade biológica em simples áreas de cultivo e criação, sem qualquer critério válido de proteção à vida silvestre, vai além da falta de responsabilidade, é insensato e criminoso. Desse modo, aprovar um novo código florestal sem antes discutir seus principais fundamentos técnicos, é dar continuidade a um modelo perverso de comprometimento do patrimônio natural, que é de direito de todos e que deve ser garantido às gerações futuras.
Rio Grande do Sul, 21 de março de 2011
* Professor da FURG
Laboratório de Gerenciamento Costeiro
Instituto de Oceanografia
Universidade Federal do Rio Grande
www.marcelodutradasilva.com.br